O humor na Doença de Alzheimer: Até onde ele funciona?

O humor na Doença de Alzheimer: Até onde ele funciona?

A gente vê muitos casos na internet de idosos sendo cuidados com muito amor e carinho, com histórias emocionantes e que sempre estão se divertindo e vivendo uma vida plenamente feliz. Isso é bom, pois nos mostra que dá para ter uma convivência pacífica e alegre com o idoso e isso nos encoraja a seguir no cuidado diário.

Mas isso acaba tendo um lado negativo, pois não mostra a realidade da doença de Alzheimer.

Vender a ideia de que tudo é lindo, fácil, e que com humor conseguiremos vencer as barreiras desta doença é de uma falta de responsabilidade sem tamanho.

Quem cuida de um idoso com Alzheimer ou outra demência similar sabe que essa vida feliz existe, mas que não a vivemos 24hs por dia. Quem cuida sabe que a dificuldade aparece, e quando ela aparece… ninguém está preparado o suficiente pois estamos acostumados a ver idosos felizes com seus cuidadores.

Apesar de toda a dificuldade e cansaço eu sempre digo que vale muito a pena enfrentar tudo e todos para cuidar de um idoso. O quanto eu cresci e quem eu sou hoje, devo a toda essa jornada incrível de seis anos que passei ao lado do meu avô. Uma pessoa incrivelmente boa que foi acometida por esta terrível doença sem cura. Só quem cuida tem noção do quão GRANDE isso pode ser na nossa vida.

AH RENAN, SE FOR PRA SER NEGATIVO ASSIM… COMO A GENTE CONSEGUE LIDAR ENTÃO? Não estou dizendo para sermos negativos. A positividade nos impulsiona a seguir em frente mas ela por si só não nos guiará na direção correta. O caminho a seguir é ACREDITAR que tudo vai passar: AS FASES BOAS E AS RUINS.

Só assim a gente saberá aproveitar quando tivermos que aproveitar e saber quando é o momento de ter calma, paciência e tranquilidade nos momentos difíceis, pois eles também irão passar.

Sabendo que o momento de alegria passa, a gente aproveita mais quando eles acontecem. Assim como também sabendo que os momentos de profunda dor e tristeza são apenas momentos ruins.

Porém você cuidador há de concordar quando digo que não dá pra levar com humor quando o idoso acorda inúmeras vezes na noite, sendo que já você passou o dia todo cuidando dele, e sabe que logo mais bem cedinho ele estará de pé.

E você precisa estar acordado e disposto para cuidar dele.

Não dá pra levar com humor quando você está cansado, e ele insiste que quer sair de casa para passear;

Não dá pra levar com humor quando o idoso cospe a comida que você preparou com tanto carinho pra ele;

Não dá pra levar com humor quando a família toda diz que você exagera nos cuidados com o idoso, que na verdade “ele está muito bem” e mais: lhe acusam de estar com ele por interesse;

Não dá pra levar com humor quando em um momento de extrema agressividade

o idoso te agride.

Não dá pra levar com humor quando você tem que tomar decisões que o idoso não poderá tomar por conta própria, quando até mesmo a posição que você o deixar irá influenciar no conforto, que ele não pode mais falar se sente ou não.

O que a gente vai precisar é de COMPREENSÃO. MUITA COMPREENSÃO…

Compreensão de que todos estes momentos vão passar;

Compreensão de que tudo isso é fruto de uma doença sem cura;

Compreensão de que hoje, todos esses são considerados momentos ruins, mas que um dia você sentirá a falta de cada um deles.

Compreender que as dificuldades em determinado momento serão em outras áreas mais graves, como:

quando a pressão dele cair de repente;

quando a saturação começar a abaixar sem motivo aparente;

quando uma infecção aparecer;

quando inúmeras pneumonias o deixarem cada dia mais debilitado;

quando internações hospitalares forem necessárias.

É importante também compreender que o cuidador se sentirá cansado, esgotado… e que isso é normal! Não significa que gostamos menos do idoso. Só precisamos lembrar que somos humanos.

Cuidar de um idoso com Alzheimer vai além do lado bonitinho que as pessoas insistem em mostrar: Não é fácil. E acreditar que tudo é bonito não vai funcionar.

Bonito é aquele momento de gratidão que o idoso tem para quem cuida dele;

Bonito é o sorriso que ele nos dá de repente;

Bonito é quando ele te olha e fala: “MUITO OBRIGADO” sem nenhum motivo aparente. Mas que a gente sabe que este é um daqueles momentos raros em que ele pode ter tido um lapso de lucidez e compreender o que a gente faz por ele.

Bonito é quando a gente tem o apoio de uma família inteira que se mobiliza para cuidar daquele familiar, que é a base daquela família;

Bonito é quando a gente consegue ver e agradecer à tudo isso mesmo passando por toda uma tempestade de momentos ruins.

DÁ PRA CONTORNAR ALGUMAS SITUAÇÕES COM HUMOR SIM!

MAS É PRECISO RES-PON-SA-BI-LI-DA-DE. Não dá pra brincar com tudo.

Algumas pessoas acreditam que o humor pode reverter qualquer situação, ou que com brincadeiras a gente consegue distrair o idoso. Vou contar um caso que aconteceu por volta do primeiro ano no cuidado do meu avô. Creio que você verá que nem sempre o humor é a solução.

Certo dia fui acordar o meu avô pela manhã e ele estava chorando. Um choro que eu nunca havia presenciado. Meu avô chorava sem parar, de soluçar. Perguntei por duas vezes o que acontecia e nada dele me responder. Aguardei uns instantes tentando observar se havia alguma parte do corpo que estava doendo, se ele pudesse ter caído da cama e se machucado… e nada. Por fim, já com um tom mais apreensivo perguntei:

RENAN: Vô! o que aconteceu, me fala! 😩

VÔVS: Espera… 😭

Passado esse momento fui conversar com a minha mãe e contar a situação. Ela me aconselhou a deixá-lo por um momento. Assim o fiz. Fiquei no quarto sem que ele me visse, esperando que ele parasse com o choro. Quando notei que ele estava um pouco mais calmo comecei a conversar com ele:

RENAN: Oi Vôvs, o senhor tá sentindo alguma dor?

VÔVS: Não…

RENAN:

VÔVS: Não tá doendo nada não…

RENAN: Então, o senhor quer me falar o que aconteceu?

VÔVS: Não… parece que… veio uma notícia aí, que o Joaquim morreu. Mas… eu não sei se isso é verdade.

RENAN: Humm… Vô, vamos aguardar as notícias então, pode ser? É melhor a gente esperar.

VÔVS: É… vamo ver isso…

RENAN: Então, vamos seguir com o nosso dia, tá bem? A gente vai pro banho agora, tomamos o nosso café, e ficamos lá na sala esperando alguém chegar com notícia pra gente. Mas não vamos ficar pensando nisso por agora não, eu vou ficar do seu lado aguardando…

VÔVS: Falou… muito obrigado, viu. Mas… não é possível que alguém ia brincar com uma coisa tão séria, né?

Joaquim foi o irmão do meu avô que perdeu a vida precocemente, por volta de seus 20 anos. Sua morte foi há muitos anos atrás, há bem mais de trinta anos… mas aquela lembrança veio em sua mente como se tivesse acontecido naquele momento. É como se meu avô tivesse voltado ao momento exato em que recebeu a notícia de que o seu irmão havia acabado de partir.

E era eu quem estava ali para consolá-lo.

Apesar de alegar não sentir nenhuma dor, pude entender que o que doía no meu avô era o seu coração. 💔

E AGORA EU LHE PERGUNTO: SERÁ QUE EU DEVERIA TER SEGUIDO COM HUMOR EM UM MOMENTO TÃO DELICADO?

Meu avô passou o dia pensativo, reflexivo… seguimos tentando assistir tv, ver filmes, cuidar das plantas… e apesar de não tocar mais no assunto, eu sabia que o que incomodava era o sentimento de ter perdido seu jovem irmão.

Por conta das medicações que meu avô tomava para dormir ele sempre tirava um cochilo após o almoço, (durava cerca de uma hora apenas para não atrapalhar o seu sono a noite.) Quando haviam situações que o deixava incomodado ou triste, sempre que cochilava ele acordava sem se lembrar mais. Porém neste dia nada o fez esquecer, nem mesmo o cochilo da tarde.

Para ele de fato esquecer todo aquele sentimento, foi preciso que a noite chegasse para ele dormir e o sono na madrugada apagasse tudo aquilo.

Dia, tarde e noite… somente ao acordar no dia seguinte, ele agiu como se nada tivesse acontecido. Pois de fato, talvez ele não se lembrasse mais daquele momento.

É necessário permitir ao idoso esses momentos de reflexão e até mesmo os de tristeza, é preciso RESPEITAR isso! Imagine você, com uma doença sem cura, sem entender o que lhe acontece e por vezes até esquecendo de pessoas que foram importantes na sua vida. Agora, imagine uma pessoa forçando brincadeiras e momentos de diversão quando você não quer…

Quando você só quer refletir um pouco sobre tudo o que está acontecendo.

Tirar esse foco da tristeza do idoso é interessante sim, porém, com respeito. Ficar ao lado dele, dar um abraço e dizer que você está ali para o que ele precisar já é de grande ajuda.

É o momento em que ele percebe que independente do que lhe acontece, existe alguém que está ali por ele. Independente do que ele faça!

Mas é claro que a procura de um profissional como um psicólogo deve ser considerada caso estes momentos persistam.

A GENTE PRECISA É DE RESPONSABILIDADE NA HORA DE FALAR SOBRE O CUIDADO COM O IDOSO. SER VERDADEIRO.

Encerro esta publicação falando de uma das páginas que eu acompanho desde o início e que eu tenho um carinho enorme pela sua criadora: A Ana Heloísa!

Algo que sempre admirei nas publicações da página Alzheimer – Minha mãe tem – ANA’S é que ela mostra tanto essa parte LINDA de afeto, carinho e momentos de diversão que teve com sua mãe, assim como também nos mostra a dura realidade que o cuidado diário nos proporciona. Lá ela também nos dá inúmeras dicas sobre como nós cuidadores podemos nos acalmar e seguir com a nossa missão!

Aqui, eu deixo uma mensagem que retirei de seu canal no Youtube onde a Ana Heloísa nos fala sobre PACIÊNCIA e sobre como tomava as DIFÍCEIS DECISÕES que caem sobre nós na hora do cuidado com o idoso!

E claro, além da compreensão que eu tanto cito nas minhas publicações em minha página e nos vídeos, a gente precisa daquele sentimento que nos dá segurança e coragem para seguir todos os dias: O AMOR.

Mas, será que todos sentem amor pelo idoso?

Só a OBRIGAÇÃO de cuidar dos pais é suficiente para seguir com o cuidado?

Bom, este já é um tema para outra publicação… em breve a gente fala sobre isso!

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